21.8.07

Finitude

Leonardo não conseguia pregar os olhos. Mirava o teto como se mira o ar antes dele. Olhava para o nada. O relógio da sala atormentava o silencio e o sono de Leonardo com sua insistente profecia. Era um emissário do tempo, um sacerdote cronológico. Era impossível dormir. Ouvia em meio a escuridão aqueles dizeres que rasgavam sua alma a cada tique, e em todo taque. Era como uma pulsação torturante. Uma promessa expressa onomatopeicamente em tiques e taques, mas que traduzida gelava o coração dizendo: fi-ni-tu-de-fi-ni-tu-de-fi-ni-tu-de.

Porque um simples barulhinho o atormentava tanto, Leonardo não sabia dizer. Não conseguia nem mesmo pensar, tão incomodado que estava. Tique, taque, tique, taque. Barulhinho infernal. O garoto se levantou da cama, foi até a sala escura, iluminada fracamente pelas persianas da janela. Súbito, pegou o relógio nas mãos e o encarou. Tique, taque, tique, taque, tique, taque. Virando o aparelho, retirou a pilha e fez reinar um mar de silêncio naquela sala. Sentiu-se aliviado e sozinho. Devolveu o aparelho à estante e voltou para sua cama.

Depois dos sons que se faz quando se arruma com os cobertores e travesseiro, Leonardo percebeu que não havia silêncio verdadeiramente. Um barulhinho muito fraco pronunciava-se de dentro do banheiro. Assim como o relógio, o barulhinho cronometrava a noite com suaves plic, plic, plic. O garoto sinceramente não ligava pros sons dos automóveis ou sussurros de gente acordada que se faz ouvir pela madrugada nas ruas. Mas aquele som constante era insuportável. De fato, começou a duvidar da existência do silêncio. Não poderia haver sequer um segundo na existência em que reinasse a total falta de sons. Até mesmo quando afundava a cabeça no travesseiro ouvia sons da fronha se enrugando ao mínimo movimento, por estar próxima aos seus ouvidos. Quando tampava os ouvidos com os dedos, ouvia como que possesso a batida de seu coração como outro emissário cronológico. O tempo se fazia presente em todos os sons, enchia toda a sua vida.

Levantou-se e foi ao banheiro. Rolando a porta de vidro do box, viu a gota que caía do chuveiro à laje. Plic, plic, plic, plic, plic, plic. Olhou à sua volta, e num átimo resolveu acabar com o problema direto pela raiz. Acendeu a luz e seus olhos arderam. Subiu no vaso e com satisfação fechou o registro, apertando-o com toda força e vontade de quem não suporta mais uma insônia.

Deitou-se novamente, e com olhos apertados ficou a perscrutar algum som constante, como que cronométrico naquela noite de tormenta. É claro que o silencio não haveria de se fazer acontecer, mas finalmente as existências que pronunciam o tempo em seus dialetos monocromáticos e insuportáveis resolveram finalmente deixar Leonardo dormir.

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